quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

OS DOIS CONTOS ABAIXO

Aqui vão dois contos muito velhos que eu escrevi para um concurso da capricho, cujo tema era "romance assombrado" (eu acho), e de no máximo 500 PALAVRAS (achei um absurdo de pequeno). Mas enfim, ai vai.

15.



Finalmente, chegara sua hora.

Os destroços do navio zuniam na água do mar revolto. As explosões avermelhadas na superfície rugiam como trovões, enquanto o corpo inerte de James deslizava para a escuridão do fundo. Com seus olhos incrivelmente azuis fechados, ele apenas ouviu os pedaços de metal cortando o mar ao seu lado. O navio de guerra fora pego de surpresa durante a noite, e James sabia que não retornaria para casa. Vira coisas que lhe trariam pesadelos para o resto de sua miserável vida e, se morresse, a família seria indenizada no futuro. Algo muito melhor do que receber um injuriado e amargo aleijado de guerra. Um fantasma do que fora.

Mais uma explosão eclodiu acima dos corpos que afundavam. Pensou na vida amarga que levara, no casamento arranjado, no filho que não veria crescer, e percebeu que os sons iam ficando para trás.

Morrer no mar, pensou ele, quanta coincidência, Emily.

Ao recobrar os sentidos, ele não ouviu explosões. A água estava mais calma, mais brilhante e clara. E alguém que o vinha assombrando há muito tempo começou a ganhar contornos. Seu coração deu um grande solavanco. Vestida como da ultima vez que a vira, ela não envelhecera nem um dia. Congelada em seus dezenove anos.

— Emily?

— Você está tão adulto — O olhar triste de Emily varreu todo seu rosto. — Faz tanto tempo assim?

Tudo estava tão lento. Tão letárgico, nem se mover ele conseguia.

— Eu estou...?

Ela balançou a cabeça negativamente.

— Então, onde nós...?

— No meio. — respondeu ela, e para ele bastou.

— Perdoe-me — murmurou, depois de alguns segundos. E continuou lentamente, como se falar consumisse um grande esforço. — Se eu tivesse enfrentado minha família... Se eu não tivesse deixado você partir naquele navio — seu corpo flutuou um pouco para cima, afastando-se dela. — Você poderia estar comigo. Poderia estar viva.

Emily apertou os lábios cheios, balançou a cabeça e tocou em um colar de metal que trazia no pescoço.

— Eu vaguei nesse oceano por muito tempo, até perceber que não iria te encontrar. E mesmo agora que encontrei, não posso te levar comigo — sorriu Emily, tristemente. — Você tem uma família. Precisa ver seu filho crescer. — e ela abriu o colar de metal que ele lhe dera quando era viva. Uma musica nostálgica encheu o mar vazio. — Eu sempre o tive comigo.

— Como...? — e antes que ele pudesse falar, uma pressão forte no peito o fez parar. Vozes estranhas começaram a distraí-lo. Sua vista começou a ficar borrada.

Emily arregalou os olhos escuros e infantis. A diferença entre os dois era grande agora; James estava quase na superfície.

— Meu tempo acabou — murmurou ela, e completou: — Eu te amo tanto James. Você é tão forte. Eu não agüentaria viver sabendo que você morreu. Por isso, eu quero que você viva. Não pode deixar de viver por mim.

James não conseguia mais enxergá-la. Logo, não conseguiria ouvir sua voz.

— E você? Como eu vou te encontrar?

O mar brilhante tornara-se negro. Só a silhueta lucilante de Emily se deixava entrever. Distante. Sozinha. Até sua musica era quase inaudível.

— Enquanto o mar existir, eu estarei aqui.

E James tossiu uma grande quantidade de água, dentro de um bote aliado. Depois de se sentar e receber os parabéns por estar vivo, ele tocou a escura e fria com os dedos pálidos e sorriu.

— Espere por mim.

14.



A manhã ameaçava surgir na noite fria. Ivy corria pela trilha úmida entre as árvores, desesperada. O castelo impunha-se na noite, como se a repreendesse por abandoná-lo. Logo, os guardas notariam sua ausência, assim como suas irmãs.

Mas o sonho que teve não a deixou voltar a dormir. Sonhou com gritos. Choques de espada. O ressoar das armaduras colidindo. Ela assistiu com os olhos de outra pessoa o momento em que uma espada atingiu-lhe o peito. Assim que acordou, seu coração quase parou de bater ao pensar que poderia ser Ewan.

Seus pés descalços chapinhavam na terra molhada, e a barra de seu pijama comprido estava pesada de lama. Ao longe, no céu quase azul, ela viu a muralha coberta de hera. Sua mente rapidamente voltou ao dia em que fugira da aula de costura. Ivy corria próxima a muralha, atrás de uma borboleta de asas incrivelmente azuis, quando viu um garoto passar por uma brecha na hera crescida. Seus olhos eram exatamente como as asas da borboleta, que Ivy acabou esquecendo. Ewan era mais alto, muito mais falante e poucos anos mais velho do que ela. Ele foi seu único amigo homem, e durante cinco anos, eles se viam quando podiam. Até a brecha ficar pequena demais para Ewan passar. Pouco tempo depois, os povos do norte declararam guerra ao seu povoado, e Ewan, sendo um aldeão, foi escolhido para se juntar ao exército de seu pai.

— Prometo que estarei aqui antes do verão chegar — murmurou ele, através da brecha.

Ivy esticou a mão através do emaranhado de folhas e tocou a mão de Ewan. Era áspera e firme, por ele trabalhar na terra.

— Vou esperar — disse ela. — Sempre vou te esperar.

Ewan apertou carinhosamente a mão de Ivy, e os dois ficaram em silêncio. O tempo não parecia relevante quando estavam juntos. Agora, o mesmo tempo que se mostrara tão amigo a agonizava. Mas ao tocar a muralha, teve a sensação de que ele estava do outro lado, esperando por ela. E talvez, pela falta de discernimento entre passado e presente, ela tenha ouvido o assovio doce de Ewan, chamando-a.

Ivy correu tanto que tropeçou ao chegar à beirada de um pequeno rio. Do outro lado, Ewan, ainda de armadura, sorria-lhe tranquilamente.

— Ewan! — disse Ivy, começando a atravessar o rio. — Você voltou! Você está vivo!

Ele balançou a cabeça negativamente.

— Ivy, perdoe-me.

Ela parou. A água já lhe batia nos joelhos.

— Você não pode estar morto — murmurou Ivy, arrasada. — Prometeu que voltaria!

— A morte não é o fim, moça encantada. — murmurou ele, chamando-a pelo apelido. — E eu voltei como prometi. Sempre vou cuidar de você. Lá de cima, perto dos outros que também brilham na noite.

Ela olhou para o céu quase claro. Apenas uma estrela brilhava contra a luz do Sol. Ivy foi chamada ao longe; ela se virou apenas por uma fração de segundo. A estrela cedeu ao amanhecer. Ewan não estava mais lá.

Ivy sorriu tristemente.

— Até o crepúsculo, Ewan.

domingo, 2 de janeiro de 2011

13. Marie


Eles agora caminhavam pelo pequeno caminho entre os pés de uva. Cada uma, refletindo a luz alva da lua, igualando-se a pequenas pérolas. Ele a havia convidado com os olhos, curvando-os numa brincadeira certeira. Os dois saíram assim que o jantar acabou, e ele a puxara pela mão até a varanda de madeira. Ela o seguiu, em passos trôpegos e desajeitados, imaginando o que aquilo significaria - apesar de tudo, não se permitia sonhar. Ele escorou as costas na grade de segurança, ficando de costas para toda a beleza daquele retiro montanhoso e fixou seus olhos nos dela. Como alguem poderia ignorar o mar, não tão longe, batendo na alcantilada? Por que continuava olhando para ela? Por que sorria?
Ele olhou por cima dos ombros tensos da garota, e seus olhar tornou-se cauteloso. Desenhou com a boca um convite para caminharem um pouco. Riu da falta de reação dela, e quando começou a descer as escadas que os levavam para fora percebeu que ela não o seguira.
Com um olhar astuto, ele tornou a subir as escadas, cruzando os braços esguios e tenros preguiçosamente ao se apoiar no corrimão.
"Vamos", murmurou ele. Sua voz veio tranquila, mas o comando ricocheteou o coração dela.
Merda. Ela havia sentido o coração.
Não era para acontecer. Seria apenas uma reunião de família na antiga vinícula. Como ela iria imaginar que seus tios haviam convidado amigos? E que esses amigos trariam um filho?
Uma maldição.
Ele revirou os olhos, e sorriu para ela carinhosamente.
"Eu preciso conversar com você. Por favor, Marie."
Ela pestanejou, escondendo a frustração. Sorriu, concordando com uma mentira. "É claro."
A noite de verão estava úmida e quente. Apenas seus passos eram ouvidos. Ele conversou com ela enquanto caminhavam por entre os conjuntos de videiras. Ela fitava os pés a maior parte do tempo, rindo bobamente enquanto ele falava com ela.
Eles se aproximavam do final do penhasco, o mar ecoava nas pedras escarpadas que circundavam aquela baía.
Ele caminhou um pouco mais e parou, olhando o horizonte.
Ela assistiu-o em silencio um pouco. O vento era uma vaga presença entre os dois, e mesmo assim, trouxe o perfume do rapaz, que embriagou-a.
Ela colocou as mãos sobre o coração e as apertou, angustiada. Os pensamentos que lhe ocorriam eram estúpidos. Ela queria ignorar aquelas frases piegas, mas não conseguia. O diagnóstico era claro: estava a... pai... xo...
"Marie", ele disse, e se voltou novamente para ela. Os olhos que sempre espelharam sagacidade e atrevimento estavam enternecidos. Era como se o azul tempestuoso de seus orbes marolassem sob o efeito da lua. Um, dois, três passos. Recuo. A mão firme dele subiu para os próprios cabelos desalinhados, como se ele estivesse sem jeito. Um suspiro. O espaço entre eles não era tanto. Ela poderia alcançá-lo se esticasse os braços, mas... e depois? O que ele queria? O que estava fazendo ali? Será que...? Não. Ele não iria.
...Iria?
Não. Não com ela. Ele não podia gostar... ele não podia se declarar para ela...
E seus rosto tornou-se rubro enquanto ela pensava num tímido "Poderia?"
"Marie"
Ela levantou os olhos, e encontrou-o sorrindo levemente.
"S-sim?"
"Sabe como...", ele se interrompeu. "Eu não esperava me divertir tanto vindo aqui."
Ela sorriu-lhe, concordando.
"E, sabe, eu não imaginava que iria conhecer tantas pessoas legais. Na verdade, achei que seria um saco. Sabe. Vir pra esse fim de mundo, mas..."
Ela engoliu em seco.
"Mas... Marie, eu adorei ter vindo. Sua família... é íncrivel. Esse lugar é incrível. E, eu fiz tantos amigos. Seus primos, seus tios, você..."
O coração de Marie deu um salto. Ele alongou mais ainda o sorriso.
"Sabe, você se tornou uma amiga. Mesmo. Acho que eu... confio em você. Sabe, Marie, eu...", ele parou, torceu a boca, constrangido. "Eu... eu posso te contar uma coisa?"
Marie sentiu o rosto enrusbecer e o coração quase saltar do peito. Será...?
"Não é fácil pra mim. Eu nunca... sabe, nunca senti isso. Sempre achei patético. Mas, dizer pra você... não tem problema". Ele cravou os olhos nos dela e um calor lacinante subiu pelo peito de Marie.
"Marie... eu... eu gosto... d..."
Ela sentia que o coração fosse explodir.
"...de Camille."
O mar quebrou lá embaixo. O ar escapou dos pulmões de Marie silênciosamente, fazendo seu corpo amolecer. Tão. Previsível.
"Puxa! Nossa, Marie. Achei que nunca conseguiria dizer, mas sua prima... ela... é íncrivel. E vocês são amigas, pensei que... talvez..."
O sorriso sereno de Marie mentia. Naquele momento, dentro dela ocorriam grandes destruições. Um armagedom particular. Seu coração desmoronava, corroendo-se na realidade.